Da prancheta para as ruas |
|
Com produtos criados para o consumidor emergente, a novata Dafra foi a fabricante de motocicletas que mais cresceu no país em 2008. Mas sua estratégia resistirá à crise? Revista EXAME - Por Carolina Meyer 02.04.2009 | 10h08 |
|
|
|
No disputado mercado de bens de consumo, poucas empresas conseguiram nos últimos tempos aproveitar de maneira tão contundente a possibilidade de ganhar terreno rapidamente quanto a fabricante brasileira de motocicletas Dafra. Em pouco menos de um ano, a empresa conquistou uma fatia respeitável do mercado: saiu do zero em fevereiro de 2008, quando iniciou suas atividades, para tornarse a quarta maior do setor, com uma participação de mercado próxima de 5,5%, em apenas seis meses de operação. Num mercado em que até pouco tempo atrás a japonesa Honda reinava absoluta, com um virtual monopólio na venda de motos, não é pouca coisa. Só no ano passado, as 280 concessionárias da Dafra espalhadas pelo país venderam 73 600 motocicletas - ou 220 por dia. A empresa já ocupa a vice-liderança de mercado em dez capitais brasileiras, entre elas Salvador, Recife e Fortaleza. Neste ano, mesmo com a crise, a Dafra projeta um crescimento de 22%, com faturamento de cerca de 500 milhões de reais. A meta é chegar à liderança de mercado até 2015. "Não fosse a crise, já seríamos a terceira maior fabricante", afirma Creso Franco, presidente da Dafra. | Marcelo Correa Franco, presidente da Dafra: um ano e meio de preparação antes da estreia |
O sucesso da empresa em 2008 pode ser explicado em larga medida por um dos maiores fenômenos de consumo dos últimos anos: a ascensão da classe C, um contingente de aproximadamente 80 milhões de pessoas - a maioria sem condições financeiras de adquirir um carro zero, mas com capacidade de fazer pequenos financiamentos. Não era um mercado inexplorado - mas ainda havia espaço para inovações. Com uma linha instalada em Manaus, a Dafra monta motos até 30% mais baratas que as concorrentes japonesas - fruto de uma combinação de peças compradas na China e sacrifício de margens para ganhar mercado. Também foi uma das primeiras a oferecer motos de baixa cilindrada financiadas em até 48 parcelas de aproximadamente 150 reais, sem entrada. Com isso, conseguiu crescer em torno de 15% ao mês. Nada disso, claro, ocorreu por acaso. Apesar de recém-chegada ao mercado de motocicletas, a Dafra conta com executivos experientes no segmento automotivo. A fabricante de motos faz parte do grupo Itavema, do empresário Mário Sérgio Moreira Franco, dono da maior rede de concessionárias de veículos do país, com faturamento anual de quase 6 bilhões de reais. "A experiência acumulada pelo grupo Itavema foi fundamental para o crescimento da Dafra", diz Corrado Capellano, especialista no setor automotivo da consultoria Creating Value. "Sobretudo no que diz respeito à escolha dos pontos-de-venda e no treinamento dos vendedores." |
|
![]() |
Era uma vantagem óbvia, mas não suficiente para garantir um bom desempenho num mercado novo, com um perfil de clientes diferente. A Dafra nasceu depois de meses de planejamento e pesquisa. Um time de 15 executivos do grupo Itavema passou um ano e meio estudando os hábitos e o comportamento dos consumidores de baixa renda, público-alvo da nova companhia. Ao todo, mais de 100 pessoas foram entrevistadas. |
Paralelamente, outros dez profissionais da agência de publicidade Loducca, encarregada de desenvolver uma estratégia de comunicação para a empresa, conviveram durante dois meses com mais de 30 potenciais compradores da Dafra em São Paulo e no Rio de Janeiro - pessoas com idade entre 25 e 40 anos que utilizavam o transporte coletivo como principal meio de locomoção. A estratégia serviu a um propósito claro: desenvolver um produto sob medida para esse público e não simplesmente oferecer motocicletas de baixo custo com descontos agressivos. "A população de baixa renda é extremamente bem informada", afirma Celso Loducca, presidente da agência que leva seu nome. "Era preciso oferecer algo que fosse além do preço."
|
|
COM ESSAS INFORMAÇÕES em mãos, os executivos da Dafra partiram para a segunda etapa do processo: o desenvolvimento dos produtos. Para isso, a empresa optou por trabalhar com três grandes fornecedores chineses: Loncin, Lifan e Zongshen. No entanto, em vez de importar as motocicletas prontas, a Dafra encarregou-se de desenhar seus próprios projetos. Os quatro modelos desenvolvidos pela empresa partiram de um modelo chinês já existente, mas tiveram 70% de sua estrutura modificada. A ideia era oferecer uma moto com o maior número possível de opcionais e com um preço inferior ao da concorrência. Todas as motocicletas Dafra, da mais básica à mais sofisticada, vêm equipadas com freio a disco, partida elétrica e rodas de liga leve. "Trata-se de uma estratégia semelhante à adotada pela Fiat no final dos anos 90", afirma um executivo do setor. "Foi graças a essa estratégia que a montadora conseguiu avançar no mercado, até conquistar a liderança." AS PESQUISAS NÃO EVITARAM que erros de projeto fossem cometidos. Logo que foram lançados, os modelos Speed 150 e Laser 150 apresentaram problemas de qualidade, relacionados principalmente ao sistema de freios e à parte elétrica - ambos importados da China. Isso fez com que pipocassem reclamações contra a empresa, tanto no Procon quanto nos jornais e na internet. Diante disso, a empresa teve de nacionalizar alguns fornecedores. "Para companhias que importam boa parte de suas peças, trata-se de um processo natural de adequação", afirma Capellano, da Creating Value. A Dafra também derrapou na formulação de seu mix de produtos. |
|
Tendo como referência o mercado de veículos, em que os modelos mais vendidos são justamente os mais simples, a Dafra investiu fortemente na fabricação das chamadas motos "de entrada", de até 4 000 reais. O problema é que, graças ao crédito farto, era possível adquirir o modelo Kansas, o mais sofisticado da linha, por uma diferença de apenas 100 reais no valor das prestações. Resultado: a procura pela moto mais completa explodiu - sem que a Dafra conseguisse acompanhar a demanda. Com mais de 80% das peças importadas, a empresa precisou de quatro meses para equilibrar o estoque. No início da produção, os executivos da Dafra apostaram no preto e no prata, as cores mais desejadas pelos compradores de carros. Foi mais um erro. Os motoqueiros queriam suas motos nas cores amarelo e vermelho. "Tivemos de acertar nossa rota no meio do caminho", afirma Creso Franco, da Dafra. Para seguir crescendo e conquistar a almejada - e ainda muito distante - liderança de mercado, a Dafra terá de vencer um duro desafio, sobretudo no que diz respeito à oferta de crédito, seu principal motor de crescimento. Com a eclosão da crise financeira, os bancos ficaram mais reticentes na concessão de empréstimos para os clientes de baixa renda, público- alvo da empresa. Segundo concessionários ouvidos por EXAME, de cada dez pedidos de financiamento encaminhados ao banco Itaú, cinco são recusados - apesar de o mercado de motocicletas já esboçar sinais de recuperação desde o início do ano. O aperto teve reflexo direto nas vendas da Dafra. Nos últimos seis meses, sua participação de mercado caiu de 5,4% para 4,6%. "A Dafra é mais suscetível a oscilações de crédito que as demais marcas", afirma Capellano. Para piorar, as concorrentes Honda e Suzuki têm lançado mão do mesmo expediente usado pela Dafra para elevar suas vendas, como a oferta de motos equipadas com apetrechos considerados "profissionais". Além disso, a Honda lançou em fevereiro a primeira motocicleta com motor flex do mundo, capaz de reduzir até 20% os gastos com combustível. Para a novata Dafra, o difícil ano de 2009 será um período de provação para um modelo de negócios que funcionou bem enquanto a euforia durou. |
![]() |